sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

DIA 006


  Eu nunca trabalhei num hotel no Brasil. Já estive hospedado em alguns que gostei deveras. O meu trabalho aqui é como camareiro. Eu limpo os quartos quando as pessoas solicitam ou quando deixam o hotel. Esta atividade me inseriu nos hábitos de higiene dos bárbaros. Cara, a maior parte deles é muito nojenta!
    Conheço muitas pessoas que amam animais de estimação. Desculpe mas detesto criar animais. Prefiro-os em seus devidos habitat natural. Imagine. Os quartos possuem uma ou duas camas, carpete não chão, banheiro, televisão, microondas, escrivaninha e um frigobar. Devem ter uns dez ou doze metros quadrados. Algumas famílias se hospedam com um casal, crianças e cães. Eu não me imagino num espaço de dez metros quadrados com duas crianças e três cachorros. Não sei se são piores as crianças ou os cachorros. É indescritível a situação do quarto quando eles se vão.
    As pessoas fumam dentro dos quartos. Largam restos de comida por toda parte. Bebida então nem se fala, tem cerveja por todo lado. Admito que neste ponto sejamos parecidos. O que mais me assustou foi saber que muitos deixam seringas utilizadas para injetar heroína. Ainda bem que até agora não encontrei.
    Agora o mais engraçado e nojento. Sei lá que porra o cara teve! Acho que ele tentou realizar a famosa expressão brasileira “vai cagar de cú pra cima”. O cidadão cagou o quarto inteiro. Lençóis, banheiro, toalhas tudo lotado de merda. Estava próximo do almoço, mas perdi o apetite.
    Tem bastante gente porca no Brasil. Uns fedendo logo cedo no metrô, no ônibus e na lotação. Banheiros públicos que não consigo usar. Vários nóias quando sentem o cheiro da química do crack já cagam onde estão. Embora tudo isso, não tenho a informação sobre coisas nojentas de usuários de hotéis. Eu estava correto em meus pensamentos, uma vez bárbaros, sempre bárbaros!

DIA 005


    Quando o gerente geral do hotel que estou trabalhando estava me mostrando a break room vi uns cartazes na parede. Ele, notando que eu lia as informações nos cartazes tratou de me explicar. Ao término de sua explanação, sobre a qual tratou das leis trabalhistas do Reino de Caliban, disse que eu poderia ficar tranqüilo, pois aqui as leis cuidavam das pessoas, diferente do México ou do Brasil.
    Fiquei quieto, apenas ouvi, mas encarei aquilo como uma ofensa. O que ele sabe sobre as leis brasileiras? Sinceramente, se você colocar na ponta do lápis, uma parte significativa das condições de trabalho na civilização é melhor do que as da barbárie. Não é muito vantajoso sair do Brasil ou do México para trabalhar aqui.
    O salário mínimo nos Estados Unidos é de oito dólares por hora. Este é o valor que recebo. Aqui você não tem auxílio transporte, refeição ou de saúde. O contrato pode ser rompido por uma das partes a qualquer momento sem nenhum ônus. Como você recebe por hora, seu patrão pode solicitar que você trabalhe oito horas, que é o teto, o que passar é hora extra, mas não há um mínimo de horas. Perceba que o valor que você recebera no final do mês é incerto, pois você pode trabalhar poucas ou muitas horas, dependendo da demanda.
    Vocês podem atribuir a quem quiser. As lutas trabalhistas da década de 20 e 30 ou a política populista de Getúlio Vargas. O que me interessa agora é que temos relativa segurança nos trabalhos regulares no Brasil. Todos que trabalhei até hoje me ofereceram salário, alimentação, transporte e outros até mais benefícios como um curso de inglês por exemplo. Sem contar as mulheres com os auxílios de maternidade e de creche.
    A meu ver ainda existe bastante coisa a ser melhorada para muita gente no Brasil. As lutas por condições melhores estão muito distantes de findarem. Entretanto gostaria de deixar claro: bárbaros, nós civilizados não somos escravos!

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

DIA 004


    É muito cômico! Os bárbaros são exatamente como os estereótipos que conhecemos nos filmes. Aliás, o tempo todo parece que estou num filme. E não são apenas as pessoas não, as coisas também são como nos filmes. A sensação de estar num filme de Hollywood é muito boa. Não porque eu gostaria de ser bonito como Brad Pitt e casado com a Angelina Jolie, mas sim porque em alguns instantes parece que estou fora do real.
    Nas ruas os mendigos empurram carrinhos de supermercado cheios de quinquilharias necessárias ou não para sua sobrevivência. Assim como o personagem do filme O Solista (Joe Wright, 2009.). Os policiais são como os personagens do filme Loucademia de Polícia (Hugh Wilson, 1984.), eu rio horrores quando vejo. O que eu mais curti é que “us mano” daqui são exatamente como no filme As Cores da Violência (Dennis Hopper, 1988.). Muito louco mesmo!
    O chuveiro é de frente para você e não em cima de sua cabeça. E tem banheira dentro dele, um luxo para um pé rapado como eu. Eles realmente gostam de hambúrgueres, comem esse troço o tempo todo. Mas não é um caprichado tipo Hooters ou P.J Clark’s não é coisa vagabunda mesmo estilo Mc Donald’s. Vale lembrar que o Mac daqui é pior que o brasileiro. Os telefones públicos são cabines, igual as que o Super-Homem se transforma. Agora os carros, vou te falar, só as naves! Existe várias marcas que nem tem no Brasil. Se caso elas voassem eu acharia que estava no desenho Os Jetsons (Hannah-Barbera, 1962-63.).    
    Ao final deste texto estou chegando a uma constatação: há muitos anos está ocorrendo a “barbarização” de nossos exércitos.

DIA 003


Cheguei aqui com a idéia preconcebida de que os mexicanos vinham ao Reino De Caliban por causa do dinheiro. É claro que esse é o motivo para vários, mas as histórias que conheci até agora mostram outra realidade. O que ouvi até agora foram histórias de preconceito, criminalidade e amor.
    Passeando pela rua fui perguntar uma informação a um cara e ele percebeu que eu falava português. O mesmo disse ser mexicano, mas que havia morado no Brasil algum tempo. Seu nome era Rafael. Como ele estava indo para a mesma direção me acompanhou então conversamos um pouco. Questionei o cara sobre o motivo de deixar o México e vir para os Estados Unidos. Com certo constrangimento me disse que era gay e que deixara sua família, pois seu pai não concordava com sua homossexualidade. Ele me explicou que os mexicanos são muito conservadores e que ele tivera muitos problemas lá.
    Outra pessoa foi a Miriam uma colega de trabalho. Ela já vive a cerca de dez anos entre os calibaneses. Sempre muito atenciosa e sorridente conversamos bastante. Ela adora ouvir aquelas músicas românticas espanholas que nós brasileiros achamos muito brega. Também questionada por mim sobre sua vinda aos Estados Unidos, Miriam me disse que precisou deixar sua cidade, pois a mesma é controlada pelo narcotráfico e que muitas pessoas são assassinadas indiscriminadamente por lá.
    A história da Maria, outra colega de trabalho que está me ensinando o serviço, foi a mais curta, porém a que mais me tocou. Antes de perguntar o motivo de sua vinda indaguei à senhora Maria sobre os problemas sociais mexicanos e o narcotráfico. Para minha surpresa ela me disse que gostava muito do México, que sua cidade não tinha problemas com o narcotráfico e que a qualidade de vida em sua terra natal não era tão diferente dos Estados Unidos. Aí então perguntei o motivo de sua vinda e ela me explicou que uma de suas filhas possuía necesidades especiales e que ela está aqui há muitos anos, longe do restante de sua família, em busca de um tratamento adequado a sua filha. Agora eu te pergunto: quantos de nós teríamos essa coragem, ou melhor, está demonstração de amor?
    

terça-feira, 29 de novembro de 2011

DIA 002


    Esta parte dos Estados Unidos onde estou não é a das imagens exportadas. Os bárbaros vendem apenas a imagem da cultura deles a qual eles acreditam ser civilizada. Desde a chegada até agora encontro apenas parceiros latinos de nossa alta civilização. Os bárbaros são minoria entre nós aqui, talvez por isso esteja me sentindo a vontade neste lugar. Meus colegas latinos dominam muito bem a língua dos bárbaros e isso pra mim é bom, pois vim para cá no intuito de aprender este grosseiro linguajar e talvez apreender mais sobre a barbárie.
    A nossa língua irmã, o “português com ossos”, o espanhol, está em toda parte. Além de toda a população, inclusive os bárbaros, falar espanhol, ela também está em tudo. Na televisão, nos jornais, nas ruas e mesmo nos serviços públicos. Ao menos entre nós latinos o espanhol é triunfante. É claro que os serviços prestados aqui por nós são subalternos. Os bárbaros são os hospedes dos hotéis e os turistas. Esta parte do país é uma espécie de reserva de sol, porque na restante do Reino de Caliban a essas alturas está muito frio.
    Os bárbaros não caminham pelas ruas a não ser quando estão se exercitando. No mais eles sempre estão andando em esplêndidos carros, que umas máquinas que temos no Brasil lembram, mas não chegam nem perto. Nos negócios e na burocracia pública eles são os chefes.
    Embora eles acreditem que desta maneira nos dominam, acredito que é ao contrário. Ao menos nesta parte do território, nós civilizados somos a maioria. Eles estão cometendo o mesmo erro que a gloriosa Roma. Estão permitindo que penetremos em suas fileiras e quando eles menos esperarem, serão tomados de assalto.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

DIA 001


    O reino dos bárbaros é estonteante. Eles são muito precavidos, pois são inimigos de todos. Desde a intenção de sair da nossa alta civilização tupiniquim até desembarcar no aeroporto de Dallas Forth Worth os cuidados foram enormes. Formulários, taxas, entrevistas, documentos, processos e muito tempo depois me permitiram a visita. Este reino é muito longe do nosso. Após dez horas de avião desembarco na barbárie. Somente o aeroporto é do tamanho de Itaquera e para ir de um terminal ao outro é necessário tomar um trem. Ao desembarcar os cuidados não terminaram.
    Na chegada se passa pela imigração. O guarda visualiza seu visto, os formulários e você aí então pode pegar sua bagagem. Tudo já havia sido feito no Brasil, não sei porque eles desconfiam. Minha bagagem passa por raio-x e eu também e em seguida passo pelo detector de metais e uma revista pelo agente da imigração. Não me importo, pois já sou “bacharel, pós-graduado em tomar geral” no Brasil. Aliás, a geral é muito mais minuciosa no Brasil porque já me fizeram tirar o tênis, a meia a cueca e até me deram uma surra atrás de armas de destruição em massa.
    Depois de tudo isso você segue livre pelo reino dos bárbaros! Como todos sabem liberdade aqui é produto de exportação. Alguns relutam em se lembrar, mas eles nos levaram a Liberdade em 1964 e recentemente levaram ao Iraque e ao Afeganistão. Mas sem ressentimentos para com os bárbaros, guardo-os para os militares brasileiros. Sinceramente, entendo que para manter seu modo de vida os bárbaros permanecem em estado de guerra. Eles aprenderam com o erro dos romanos no passado e sabem que uma pax americana seria o fim do império. Outro dia, assistindo a um filme que não me recordo o nome, me lembro de um diálogo entre um piloto de caça e um comandante. O piloto diz ao comandante que a sua missão é desnecessária, pois os Estados Unidos não estão em guerra. Com absurda convicção o comandante responde: se não estivéssemos em guerra este porta aviões estaria atracado na baía de San Diego!