sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

DIA 021



    Tenho bastante experiência em coisas erradas. Quando se vive muito tempo em periferias ou favelas, se faz necessário adquirir muito malicia para escapar de determinadas situações. Não se pode esquecer nunca que um vacilo pode lhe custar à vida.
   Certas coisas não devem ser ditas. Em inúmeras situações uma palavra mal colocada pode te colocar numa enrascada. Cansei de ver neguinho tomando um pau por causa de se expressar mal. Alguns já morreram também. Até explicar que dezenove não é vinte, já era!
   Você é cego. Mesmo que alguém presencie você vendo algo, é necessário negar até o fim. Você precisa convencer a pessoa que a visão dela a enganou. Juro que isso já me tirou de um porção de zica. Vai você responder que viu e que pode testemunhar se preciso. Melhor não pagar para ver.
    Fazer se de desentendido sempre funciona. Para se livrar de certas situações é altamente recomendável que faça pareça um idiota. Diga que não entendeu, comece a não falar coisa com coisa. Sempre quem te interroga fica confuso, se irrita e desiste de insistir em você. Isso também já me salvou.
    Hoje a aplicação destas técnicas funcionou entre os bárbaros. De dentre de um quarto do hotel que limpava notei um carro chegando e estacionando numa manobra brusca. Tudo se passou bem rápido. Dois caras no interior do carro, um falando ao celular. De repente um negão pula o muro do hotel, vindo da rua e se dirige ao carro. Encosta na janela, saca dinheiro do bolso e entrega ao maluco do celular. O motorista pega um pacote pequeno no painel da caranga e entrega ao patrício. Este vira o olhar na minha direção e grita: What’s up? Eu apenas respondo baixo: Nothing! Baixo a cabeça e contínuo aspirando o pó carpete do quarto.

DIA 020




   Os militares acreditam que estão acima das leis. Melhor, eles acham que é a lei. Diversas vezes me deparei co situações onde integrantes das forças armadas, policiais, civis ou federais usufruíram de sua posição em beneficio próprio.
    O mais comum acontece em casas noturnas. Sempre aparece um ganso, cortando fila, geralmente com uma arma visível, se apresentando com sua funcional. Geralmente eles não pagam o valor da entrada e solicitam aos seguranças das casas que guardem sua arma em algum local seguro para ele.
    O que acho mais cretino é quando eles usam deste artifício para comer. Cansei de presenciar os caras dando carteirada em restaurantes, pizzarias e afins. Eu gosto de uma boca livre, no entanto usar sua posição para surrupiar comida grátis, pra mim é uma puta sacanagem. Já peguei os caras também fazendo isso para consumir bebidas alcoólicas. Mas o que eles mais gostam é de comer coxinhas.
    Também já tive drogas furtadas por polícias. Uma vez dois coxas num jipe encontraram uma paranga de maconha comigo. Ficaram com metade e me devolveram o restante. Até que não foi tão ruim. Outra mão, os caras cataram um papel de farinha. Tiveram a coragem de jogar tudo no cano de uma ponto 40 e cheirarem. Desta vez não deixaram um risco pra mim.
    Uma tarde dessas aqui entre os bárbaros conheci o oportunismo dos marines. Estava limpando um quarto quando o soldadinho me chamou. Queria que eu abrisse a porta de um quarto com minha chave mestra, pois a dele não estava abrindo. Claro que não estava abrindo, já havia passado o horário do checkout e ele necessitava pagar outra diária. Disse a ele que não poderia abrir e que ele deveria se dirigir a recepção. Ele então pagou de carteira, disse que era militar e que queria a porta aberta. Recusei novamente e voltei ao meu trabalho. Pra cima de mim não né meu truta...

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

DIA 019



    A pobreza possui um endereço. Esta ela localizada em qualquer local no mundo onde há dinheiro em circulação. Tanto entre nós como no Reino de Caliban ela está presente e a visão que tenho não são diferentes. Não existe um lugar melhor para ser pobre.
    Pessoas pobres aqui possuem as mesmas dificuldades que as brasileiras. O dinheiro dá apenas para pagar as contas. É necessário um grande esforço para ganhar um extra. Aqui como aí as pessoas as quais possuem algum emprego têm dinheiro apenas para comer, vestir e pagar suas contas ao governo.
    Os meus colegas de trabalho são simples como também seriam se eu estivesse no Brasil. Sempre humildes e prestativos apenas trabalham e seguem suas vidas. Não existem extravagâncias que os possam diferenciar de meus irmãos brasileiros. Minhas colegas de trabalho juntam latas e garrafas para vender, trazem comida de casa para economizar e contam moedas no final do mês para comprar algo. Simplesmente não vejo diferença alguma.
    Indaguei algumas sobre o “sonho americano”. Sobre como a vida material aqui é muito melhor que no México e que aqui é uma terra de oportunidades. A resposta de todas é que tudo é somente ilusão e que desejam voltar para suas terras, perto de sua família e de sua gente de onde nunca deveriam ter saído. Engraçado como isso me lembrou uma porrada de nordestinos falando isso em São Paulo.

DIA 018


    Nós que nos preocupamos com as mazelas do mundo somos uma minoria. Você leitor pode fazer o julgamento se isso é bom ou ruim. Agora quero apenas refletir sobre o assunto.
Aqui entre os bárbaros não muda muito coisa em relação a nós brasileiros. As grandes maiorias das pessoas estão cagando e andando com o que acontece no mundo. Não existe a mínima preocupação com política, drogas, crimes, guerras ou o que seja. Todas as coisas as quais considero ruins para o conjunto da humanidade, não afetam o dia-a-dia das pessoas.
    Quando se conversa com mexicanos, americanos, filipinos, indianos, qualquer nacionalidade é sempre igual. Esperava algumas opiniões, que o sangue de alguns esquentasse sobre alguns temas, mas não. Sempre que tento extrair alguma coisa, apenas o cotidiano é que vem á tona. As pessoas estão mais preocupadas com suas famílias, seus amigos, relações pessoais. É uma raridade alguém dissertar sobre temas mais específicos.
    Agora me diga. Quem está correto? Nossa minoria estuda, pesquisa e investe horas e mais horas de concentração e dedicação em assuntos os quais a maioria não dá à mínima. Estou envelhecendo com preocupações coletivas enquanto meus iguais estão mais interessados na vida do vizinho. Ou não seriamos iguais?

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

DIA 017



    Existem algumas coisas muito interessantes que notei aqui nesta pequena cidade bárbara. Uma coisa que curto é que tudo é bastante funcional. Tudo se encontra. Se quiser meias brancas curtas, médias ou longas, se acha. Um adaptador para tomada, vários modelos. Ferramentas então nem se fala, tem para qualquer tarefa.
    A estrutura da cidade num geral é formidável. O plano da cidade é bem esquadrinhado, quase todas as ruas são retas, contei meia dúzia com curvas. Os faróis de transito possuem três fases, então não fica aquele mundaréu de carros bloqueando o cruzamento. Todos os semáforos possuem sinal visual e sonoro de tempo. A cidade inteira está adaptada para pessoas portadores de necessidades. É possível um cadeirante se locomover por toda parte.
    Outra coisa que achei bem simples e útil são as sinalizações para estacionamento. Os locais que não se pode estacionar, a guia é tingida de vermelho. E não é cal não, é uma tinta sintética, que dura muito mais tempo. As guias pintadas de verde possuem tempo para estar estacionado. Sempre há uma placa indicando quanto tempo se pode estar estacionado. Estaciona-se a vontade onde não há cor na guia e no chão uma sinalização pintada de branco marca as vagas.
    O transporte público não é extenso, mas também não se faz necessário porque quase todos usam carros. O busão custa um dólar, calculando com o câmbio de hoje, R$ 1,83. Na dianteira do bumba têm um suporte no qual se pode colocar bicicletas. Achei isso o máximo! Existem pontos de transferência e se paga vinte e cinco centavos de dólar em cada. No interior do ônibus uma gravação com voz de mulher anuncia os cruzamentos e os pontos de parada.
    O que até agora achei mais inteligente foi à preparação da cidade para evitar desastres naturais. Perpendicular as montanhas existem diversos canais, os quais se parecem com córregos canalizados. No final deles existe um canal enorme paralelo as montanhas, no centro do vale. Primeiramente estranhei, mas depois notei que era óbvio. Se acaso ocorrer uma forte tempestade ou o pico das montanhas descongelarem muito rápido a água descerá com muita violência e poderia arrasar a cidade. No entanto estas obras evitarão o pior. Uma estrutura como esta na região serrana do Rio de Janeiro teria evitado a tragédia que ocorreu no ano de 2010.

domingo, 11 de dezembro de 2011

DIA 016



    Ser vida loca realmente “não é fácil não”. Já perdi as contas de quantas vezes já fui abordado em São Paulo. As revistas começaram quando eu tinha quatorze anos. Primeiro elas eram esporádicas depois se tornaram semanais. Cheguei ao cumulo de tomar uma geral duas vezes na mesma noite e dos mesmos policiais. Houve dois que decoraram meu nome.
    Certa vez uns amigos estavam testando umas armas numa pedreira que havia perto de casa. Não me preocupei dos disparos chamarem atenção e continuei lá, na minha, carburando um. Quando de repente, eis que surgem dois coxas fardados e um ganso a paisana. Esse dia foi foda! Os caras pisaram na minha mão, me chutarão e o caramba. No fim das contas uma mina que estava conosco cedeu à pressão o entregou o local onde as armas estavam escondidas. Três foram presos neste dia, eu fui liberado com mais três.
    Outra ocasião na mesma pedreira do nada aparece o jipe. Perguntamos uns aos outros se havia flagrante e todos responderam que não. O Steve então começou a questionar se havia b.o., se achasse ia zua, a mesma ladainha de sempre. Para nosso azar, um mosca de padaria que estava conosco tinha uma paranga no tênis e os ratos-cinza encontraram. Neste dia meus pais precisaram me buscar na delegacia e o dono da erva foi para FEBEM.
    Muito tempo se passou. Há tempos não tomo nenhum enquadro. Entretanto não perdi o biótipo de marginal, pois vira e mexe sou suspeito. Na ultima noite, retornando da loja de conveniência fui apresentado à abordagem dos policiais bárbaros. Juro que não imaginei que isto ocorreria aqui nos Estados Unidos. O gambé pediu meus documentos, fez algumas perguntas, não apontou arma e me deu um sermão. Disse que eu não devo cruzar a rua fora da faixa de pedestres!

DIA 015



   Durante cerca de dez anos estive envolvido num relacionamento com a Mary Jane. Eu a conhecia porque ela frequentava um grupo de amigos meus. Desde o inicio nossa relação foi muito divertida, muitas gargalhadas, altas viagens e diversas aventuras junto dela. Juntos, eu e Mary Jane enfrentamos diversos preconceitos, ora de amigos, ora da família. Meu pai faltou me matar quando soube de nossa relação. Embora depois fosses vencido pelo cansaço e acabou confessando ter tido um breve caso com ela na juventude.
    Minha relação com Mary Jane foi chegando ao fim quando ela começou a me atrapalhar. Ela tirava minha concentração e isto me custou cinco anos de cursinho pré-vestibular. Mas eu gostava demais da Mary Jane, ela não saia da minha mente. Então nossa relação se tornou conflituosa quando comecei a gostar mais da Branca do cabelo amarrado. Sim, eu e a Branca tínhamos um caso.
    Eu não podia levar adiante a duas relações. Com Mary Jane era paz, sossego e tranqüilidade. Com a branca era só adrenalina! Eu gostava das duas, pois cada qual era especial para um tipo de ocasião. O lugar da Mary Jane era na praia, durante o dia ou então uma ótima companhia para o vídeo game. Já a Branca era parceira da noite, muitas vezes me acompanhava até o sol raiar. Como as duas não combinavam, decide então abandoná-las.
    Toda esta historia para dizer que no Reino de Caliban já cruzei com Mary Jane duas vezes. Na primeira me fiz de desentendido e fingi não conhecê-la. Já na segunda vez trocamos olhares e bateu uma saudade. Mas por enquanto estou me fazendo de difícil. Ela esteve muitos anos em minha vida, não quero que isso se repita. A Branca eu nem vi por aqui e nem quero ver. Talvez role um flash back entre eu e a Mary Jane para saber se os ares da Califórnia lhe fazem bem. Por enquanto estou vivendo muito bem com a Loira gelada. Às vezes também dou uma escapada com aquela que matou o padre porque ninguém é de ferro...